segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Tereza e seus medos

Tereza e seus medos

Tereza tinha 13 anos e com dois irmãos, Delmiro e Ladislau (Lalau), veio do Paraná, cidade de Prudentópolis, dominada por ucranianos e poloneses, para o Rio de Janeiro. Os pais eram loiros, olhos azuis, e chamavam-se Delma e Bruno Miekovski. A família instalou-se na Pensão Oriental, Catete, próxima à Buarque de Macedo.
Tereza demonstrava um medo irracional e avassalador de tudo e de todos e sequer olhava para cima para ver o Cristo Redentor e o bondinho do Pão de Açúcar. Os olhos miravam o chão e reclamava que as calçadas estavam cheias de merda de cachorros. E dessa maneira mal podia aproveitar as belezas da cidade, pois vivia em pânico.
Seu pai, mecânico de bom currículo, fora contratado para trabalhar na Petrobrás e, ás 5 horas já estava debaixo do chuveiro. Após o café, desaparecia pelas ruas e avenidas. Dona Delma pensou em fazer algo que pudesse acrescer ao salário do marido. Sentada no sofá da sala da pensão rebuscou as idéias e achou uma solução. Em conversa com Cenira, gorda e vesga, dona da estalagem, indagou se precisava de uma cozinheira ou mesmo auxiliar. “Chegou numa boa hora, porque a cozinheira Eugênia mudou-se para Cabo Frio, e estou sem ninguém para me ajudar na cozinha. Aceita ganhar um salário mínimo? Se aprovada, no mês que vem aumentarei para um e meio, Está bom?” Coçou a cabeça, pois gostaria de receber, no mínimo, três salários, mas para começo de vida na cidade grande estava bom. No dia seguinte, começou.
Tereza, cheia de medos, não dava a menor atenção às garotas que queriam fazer amizade com ela. Muda como um Buda, apavorada por morar no Rio de Janeiro, fugia e abrigava-se em seu quarto. Encontrou, no entanto, um livro sobre o balcão e pediu à dona Cenira para ler, e esta consentiu com o menear da cabeça. Que bom! O livro era do argentino José Luiz Borges, que desde a introdução a deixou feliz e animada.
No pequeno quarto de pensão abriram-se as cortinas do desconhecido para a menina e a partir daquele momento, lia o que lhe caísse às mãos. De olhos abertos, sentiu grande amizade pelos escritores que lhe transmitiam sabedoria. Súbito pensou que também poderia escrever. Por que não? Pediu ao irmão que comprasse um caderno e uma caneta e, desde esse dia, quando ficava a sós, escrevia o que lhe vinha à memória. Descreveu a pequena cidade de Prudentópolis, PR, sua gente, a grande igreja de abóboda redonda, as manias que alguns tinham de comer dentes de alho e lembrou-se mesmo do gato, Chuá. Este não saía de seu colo e conversava com ela na linguagem dos animais. Ela compreendia. Avisou-lhe que iria embora dali a poucos meses, antes da decisão do pai. Alertou-a sobre os perigos das grandes cidades e pediu que tivesse cuidado.
Seus olhos azuis arregalavam-se e olhavam a penumbra. Tentava adivinhar os formatos das sombras, na hora em que se acendiam as luzes da cidade.
À noite, fazia vigília e apavorava-se com medo de que um homem ou mulher a raptasse, para trabalhar num circo. O gato Chuá bem que lhe avisou que o mundo iria acabar, pois eram excessivos os pecados dos homens: roubos, mentiras, subornos, desvio de verbas da merenda escolar e outros. Foi vencida pelo sono. Teve um pesadelo. Eram barulhos esquisitos como se fosse uma guerra. O avô vivera na Polônia, na II Guerra Mundial, e contava que comeu até o couro de sua sandália por falta de comida. Passou muitos dias de muito frio e fome. Chorava ao recordar-se daqueles apavorantes dias.
Naquela hora sentiu que o teto, o chão e a cama tremiam. Ó Deus, me guarde! – implorou.
Segurando-se pelas paredes chegou à sacada. Realmente só poderia ser o apocalipse. Viu um homem alto e de mãos enormes agredir outro, magrinho, que carregava umas caixas nas costas. Era um catador de caixas de papelão.
Ao amanhecer, correu no quarto dos pais e implorou que voltassem a Prudentópolis. Não concordaram, porque ambos já guardavam dinheiro para comprar uma casa em Maria da Graça. Chorou muito e voltou para seu quarto.
Um mês depois, tio Vitório chegou, morava nos Estados Unidos. Saiu com a sobrinha e ouviu sobres seus medos. Casado e sem filhos, pediu ao irmão para levar Tereza para o Texas, cidade em que se dera bem e morava com bastante conforto, junto a Júlia, sua mulher. Seus pais, após muitas reflexões e também considerar as atitudes estranhas da filha, consentiram.
Vinte anos depois, Tereza era afamada escritora, com obras traduzidas para diversos países. Nesse tempo todos os Miekovski também haviam se transferido com mala e cuia para o Texas, e era grande o progresso da família.

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