sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Isabela segue a vida


Tomara que este inverno com dois a quatro graus, vento Sul e chuvas torrenciais acabem logo! Isabela imaginava, ao olhar essa gente encasacada, de toca e fisionomia de profunda tristeza. Eustáquio falecera há mais de anos e não quis firmar outro compromisso com ninguém. Bem que o Deodato insistira, mas soube dizer não e ele desistiu.
Isabela tem um livro nas mãos. Para e analisa as estações. No verão as pessoas reclamam do sol tórrido, sufocante, secura, suadouro que acaba com as roupas e pedem uma enxurrada, por mais graves que sejam as conseqüências.

Outono. As velhas folhas esparramam-se pelas calçadas e seu Onofre, coronel do Exército reformado, tem a vassoura na mão o dia todo. Os varredores queixam-se, fadigados. Olga prefere o outono porque é a ocasião em que as vitrines apregoam liquidações. Vestia elegante blazer azul marinho, botas pretas e dava muitas voltas pelos shoppings da cidade. Amava os shoppings e afirmava ser como uma lavagem cerebral, porque ao voltar ao seu apartamento sentia-se renovada. Sem comprar tudo que lhe agradou, senão o filho Edinho faria críticas e lembrava-lhe que o dinheiro cada vez está mais curto. A Presidenta Dilma parece detestar aposentados! – destacou.
Isabela coloca o livro debaixo do braço. Para e analisa as estações. No verão as pessoas reclamam do sol tórrido, sufocante, secura, suadouro que acaba com as roupas e pedem uma enxurrada, por mais graves que sejam as conseqüências.

Quis até comprar umas das saias de algodão, a preços em conta, já pensando no verão e na primavera do próximo ano. Desistiu. Não desejava entrar em discussão com o filho. Pior mesmo é experimentar roupas. Que canseira!
Achou melhor distrair-se a observar a garotada que saía dos colégios. Um fuá! Um batia na cabeça do outro, beliscava, apelidava com nomes hostis, como o que ouviu uma loirinha gritar a um gordinho. “Songamonga, vê se faz ginástica, caminha ou reduz esse estômago!” O garoto correu desesperadamente e ainda bem que seus pais já o aguardavam. Entrou como um foguete no Passat.
Com fome, dirigiu-se a uma lanchonete e tomou uma xícara de café sem açúcar, três pães de queijo e ficou a notar os que entravam e saíam. O garçom foi rápido, esquentou os pãezinhos no aparelho de microondas. Recordou que antigamente era preciso ter um forninho elétrico para aquecer guloseimas e comidas. “É – disse de si para si – o mundo moderno cada vez fica melhor! Veja só, tenho um cobertor elétrico que me esquenta! Uma maravilha!” Presente de uma afilhada rica,
Lá fora, viu as árvores desfolhadas e amarelas. Não eram muitas, mas é como a nossa vida, pois temos a primavera, verão, outono e inverno.
Já terminava a tarde e o sol sumia no poente. Pôs a toca azul na cabeça por causa do sereno, e foi indo, sempre a pensar. Um arrepio de fio percorreu-lhe o corpo, no entanto já chegava à casa. O neto também chegou.
Entrou no apartamento, ligou a televisão e olhava as novelas. Murmurou: “Que coisa mais boba o prefeito trocar a mulher por uma mocinha interessada nos seus bens!” Levantou-se, enjoada da história sem pé nem cabeça. Foi ao banheiro, acendeu a luz e ao mirar-se no espelho levou um susto. “Deus meu, como estou pelancuda!”
Olhou-se demoradamente e ao tocar com a ponta dos dedos nos cantos dos olhos, sentiu que eram muitas as rugas. Suspirou profundamente e ressaltou: “Eu vivo!”

Presença de papai



Aos seis anos, depois que levamos o mano Edmundo ao Porto, para viajar de lancha e chegar pela Estrada de Ferro de São Paulo ao Rio de Janeiro, cena espetacular em que os parentes dos viajantes acenavam com lenços brancos e choravam pela partida, ao voltarmos não encontrei mais o meu pai. Soube pela mamãe que vovó o havia levado para sua casa, uma vez que estava resfriado.
Tempinho após notei o entra e sai de mamãe e descobri que se desquitaram. Sumiu!
Adulta, era a primeira vez que me hospedava naquela pensão da cidade e Poconé, MT, um sobrado perdido numa rua distante do centro. Se bem que a cidade fosse pequena e do centro até ali desse umas nove ou dez quadras.
Dona Malvina, dona da pensão, fez minha ficha e ao dizer o nome de papai, riu e perguntou-me se seu Nilo ainda estava vivo. Respondi-lhe: - Vivíssimo! Hoje está em Ourinhos, onde mora meu irmão Íbsen, Dorothy (a esposa) e três filhos: Dorothy Filha, Dayse e Íbsen Arruda Filho. O mano, engenheiro agrônomo, tem terras com muitas plantações e papai se embevece com a beleza do cafezal. Ama passar uns tempos por lá!
Ofereceu-me o mesmo quarto onde papai se hospedou por longos anos. Curioso, a porta abria-se em ângulo para a entrada, pois colocaram um guarda-roupa velho ao lado da escada e isso atrapalhava a total abertura da porta. Nem liguei, porque desejava apenas uma cama macia, lençóis limpos e total ausência de pernilongos. Assim que dona Malvina saiu, cheirei o lençol e senti que usava sabão de coco. Os pernilongos não eram poucos. Santo Pai, sou alérgica, como vou dormir neste ambiente? Bem, meu pai viveu aqui e porque não posso? Não faz mal! Fiquei fascinada!
Ao cair da tarde, desci a escada de madeira que estralava e um dos degraus estava rachado. No saguão em que se espalhavam as mesas, vi somente homens, nada de mulher. Escolhi uma das mesas e sentei-me. Um senhor que usava um chapelão branco, bonito, dirigiu-se a mim: - Filha do meu amigo Nilo, hein? Sou fazendeiro, criador de gado, e seu pai, veterinário, era quem vacinava e capava meus bois. Profissional que honrava o diploma que tirou no Km 47! Em homenagem a ele, quero convidá-la para hospedar-se na minha casa. Minha mulher Glória e as filhas Lia e Lourdes vão se alegrar com a sua presença. Por favor! Chamou Pelotão. É meu motorista e vai subir e pegar suas malas. Está bem?
- Por favor! Não quero dar trabalho à sua família. Passarei um mês em Poconé e é largo o tempo para me hospedar na casa de um amigo do meu pai. Fica para outra ocasião, num fim de semana.
- Está bem! Então a senhora vem para a Festa de Nossa Senhora do Carmo, quando a cidade inteira participa das brincadeiras. Combinado?
- Combinado!
Nem me deu seu nome, mas dona Malvina me disse ter o sobrenome de Dorilêo e ser um dos homens mais importantes dali. Destacou que sua casa era uma verdadeira mansão, com dez quartos.
À medida que o dia avançava, crescia em mim enorme ansiedade. Inquietação indefinível. E na hora em que me deitei, sei lá, senti vontade de abrir as janelas. Debrucei-me sobre uma delas e tentava buscar uma resposta para aquele mal-estar que me apoquentava. Do outro lado da rua, v i o amigo do meu pai que me assinalava alguma coisa. Não entendi. Fechei as janelas e voltei a deitar.
Notei as mobílias do quarto. Eram velhas! Em cima do guarda-roupa deixaram um copinho e a colher de prata, certamente para o guaranazinho. A verdade é que não consegui pregar os olhos. Ao clarear, adormeci e só me levantei após as duas horas.
Tomei banho, troquei de roupa e desci. Dona Malvina perguntou-me se ainda gostaria de almoçar, porque a empregada esquentaria a comida.
- Obrigada! Prefiro um chão de erva cidreira.
Logo, a mocinha trouxe-me um bule de chá e uma bela xícara de porcelana, com um pratinho de torradas.
Tomei a pequenos goles o chá, já que estava muito quente. Mastiguei as gostosas torradas.
Em conversa com a dona da pensão, contei-lhe que sobre o guarda-roupa alguém esquecera um copinho e a colher de guaraná.
Deu uma gargalhada e exclamou: Como é pequeno este mundo! Eram do seu pai, que tomava guaranazinho de madrugada para não fazer barulho ao descer a escada, deixava o vidro de guaraná em cima do guarda-roupa, bem como o copinho e a colher de prata. Sabe que essa colher foi da mãe dele, dona Adelina, sua avó? Ele me contou que era de grande estima. Nem sei como foi esquecê-los! Mas há de voltar aqui e devolverei a ele ou quer levar?
- Não, dona Malvina, dentro de poucas semanas retornará de Poconé e com certeza há de pegar o que deixou guardado.
Passeei pela cidade e muitos já tiveram conhecimento de que era a filha de Nilo Ponce de Arruda, ainda mais que sou um de seus filhos mais parecidos com ele. Alegremente fui abraçada e carregada a almoçar, comer bolos de arroz e de queijo em diferentes casas. Presentearam-me com uma toalha de mesa de crochê. Enfim, foram dias marcantes que vivi na pensão de dona Malvina e entre os poconeanos. Gente formidável!
A hospedeira teve uma sapituca (mal-estar, chilique) e foi levada de ambulância à Cuiabá. Seu filho contou-me que a mãe sofria do coração. Felizmente, logo voltou, cheia de remédios e uma expressão de alegria.
Na última noite em que passei ali, no jantar, dona Malvina colocou na mesa uma terrina importada de Paris pela sua avó, que é uma tigela de cristal apropriada para servir sopa. Que bela! Tomei sopa de milho verde!
Ao me despedir de todos, ao entrar no ônibus, elevei a voz e disse: Salve! Salve! Salve a cidade de Poconé! Dona Malvina entregou-me um pacote bem feito e amarrado com uma fita vermelha. Agradeci e bisbilhoteira abri ali mesmo. Era a xícara, a colher e o vidro de guaraná. Também tinha uma cartinha onde dizia que era sensitiva e sabia que papai não voltaria à pensão. Já é tempo de prestar conta a Deus!

Franceses no Brasil

Franceses no Brasil

Malsão e comum é o hábito de reclamar. De que adianta? Não passa de certa indisposição ou dor de cabeça controlável com um comprimido qualquer. O espírito temperamental agita-se e a situação continua. Tias, avós e amigos distantes tocam a campainha e sequer foram convidados. Baixam, cheios de malas, a cara e a coragem. Alguns têm a audácia de presentear-nos com caixas de chocolates ou balas, ocasião em estamos proibidos de saborear doces. Infelizes, reclamamos até sozinhos, dentro do banheiro. Norma trouxe do último hotel em que se hospedou a toca de tomar banho e vários sabonetinhos. Todavia, se nos brindasse com pulseira ou anel de ouro daria no mesmo. O que gostamos é de conviver em paz com nossos familiares,
Descontente, tão logo um dos filhos exige o tênis prometido há meses, protestamos e decretamos que já passou da hora dele conseguir um emprego e trazer seu próprio dinheiro para seus gastos, Puxa vida! Já está com 23 anos e não vai à luta, rapaz! Este bate a porta da rua e chispa para a roda de colegas. Infeliz, torna-se sinistro e discute por qualquer brincadeira de maldito gosto.
Isto me veio agora, porque na semana passada um alienígena do Sul da França tocou a campainha e disse ser amigo de meu irmão, cujo endereço não achou e alguém recomendou que se dirigisse à minha casa. Entrou, colocou a mochila no sofá e nem perguntou se poderia permanecer ali. Simplesmente arrumou as roupas sujas e fétidas no quarto de hóspedes e aprazou por quinze dias.
Sem suportar o descaramento, como fosse amiga de importante político, ao lhe relatar o problema, este me ofereceu um caminho, ou seja, deu-me uma passagem aérea Cuiabá/Manaus, de onde viajaria para a Guiana Francesa e de lá para Lion, França.
Deus é bom e sinto que possui infindável senso de humor. Próprio para gargalhar, pois no último dia naquela circunstância, a empregada fez um almoço caprichado e espremeu uma dúzia de laranjas, cujo suco encheu o vaso de cristal. Estava em meu escritório e foi me chamar. Junto dela, vim para almoçar. O suco de laranja desapareceu. François bebeu tudo!
Hoje, dez anos depois, aprendi a dizer não. Rejeito pessoas chacoteadas em minha casa. Que vá para quaisquer albergues, hospedarias, pensões ou hotéis.
Turista francês, creio, confia na sua simpatia e avalia que todo brasileiro seja aparvalhado. Essa não! Ah! Um! Como fala o cuiabano: “Fique até na orêia!” Revoltada.
Zilda, brasileira e moradora em Paris por mais de cinco anos, contou-me que os turistas que baixam na “Cidade Luz”, norte-americanos, são vulgares e acordam a cidade aos berros. Andam de patins. As mulheres são serigaitas. Porém há os sérios, em especial de Boston. Japoneses envenenam as ruas. Polidos geralmente são os alemães e os nórdicos. Estes são fleumáticos. Os franceses gostam muito de alemães. São admiradíssimos, porquanto grande parte deles é rica. Minha amiga chama Paris de presunçosa cortesã.
Ao voltar à França, conforme Zilda, os franceses nos consideram primários e idiotas.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

A corrupção brasileira vem do Brasil Colôni



No Rio de Janeiro, ao intermediar um aluguel de apartamento para minha amiga Nilda, acabei por conhecer a Cris, um amor de pessoa, com a qual troco mensagens, via e-mail, freqüentemente.
Hoje, Cris diz-me o seguinte: “Esse ó nosso Brasil em pleno século 21. Se o Brasil tem mecanismo eficiente para controlar os recebimentos de impostos, porque não tem o mesmo critério para as corrupções que destroem o país ...
Há pouco tempo o governo da China inaugurou a ponte da baía de Jiaodhou, que liga o porto de Qingdao à ilha de Huangdao. Construído em quatro anos, o colosso sobre o mar tem 42 quilômetros de extensão e custou o equivalente a R$2,4 bilhões.
No Brasil, há uma semana, o DNIT escolheu o projeto da nova ponte do Guaíba, em Ponte Alegre, uma das mais vistosas promessas da candidata Dilma Rousseff.
Confiado ao Ministério dos Transportes, o colosso sobre o rio deverá ficar pronto em quatro anos. Com 2,9 quilômetros de extensão, vai engolir R$ 1,16 bilhões.
Intrigado, o matemático gaúcho Gilberto Flach resolveu estabelecer algumas comparações entre a ponte do Guaíba e a chinesa. Na edição desta segunda-feira, o jornal Zero Hora publicou o espantoso confronto númerico resumido no quadro abaixo:
Os números informam que, se o Guaíba ficasse na China, a obra seria concluída em 102 dias, ao preço de R$ 170 milhões. Se a baía de Jiadhou ficasse no Brasil, a ponte não teria prazo para terminar e seria calculada em trilhões. Como o Ministério dos Transportes está arrendado ao PR, financiado por propinas, barganhas e permutas ilegais, o País do Carnaval abrigaria o partido mais rico do mundo.
Corruptos existem nos dois países, mas só o Brasil institucionalizou a impunidade. Se tentasse fazer na China uma ponte como a do Guaíba, Alfredo Nascimento daria graças aos deuses se o castigo se limitasse à demissão.
Dia 19/07/11, o Tribunal chinês sentenciou a execução de dois prefeitos que estavam envolvidos em desvio de verba pública. Os caras literalmente foram condenados à morte(!).
Se fosse assim no Brasil, certamente todos os políticos seriam extintos.
O Brasil, disse o inesquecível De Gaule, não é um país sério. Ninguém te dúvida! É muito triste!!!

Mistério da cachoeira

Verdadeiramente ninguém tinha coragem de ir a Cachoeira de S.José do Piquiri a sós. Juntava-se um grupo e ia gozar as delícias daquelas águas frias numa terra de calor imenso. Como era sexta-feira santa todos quiseram dormir até mais tarde, então fui andando, observando as belíssimas orquídeas, ouvindo o chilrear dos pássaros e até o cascalhar das serpentes. Não as vi, graças a Deus!
Seguia em frente, folgando-me com as belezas das matas.
De longe avistei a bela cachoeira e aos poucos retirei as roupas, pois já viera de maiô por baixo. Cheguei e várias corujas voaram, distanciando dali.
Apavorava as pessoas a história que corria trechos, talvez de 1900, quando uma bela índia de nome Coaraci namorava João Antonio, dono da fazenda e marido de Luacy. Amantes apaixonados, tudo acabou quando Luacy, mulher de João Antônio descobriu tudo. Deu um quebra-quebra no casarão e muitos cristais espatifaram-se. O safado tampouco voltou ali, na cabana onde se amavam, para lhe dizer adeus. Fugiu simplesmente. Coaraci esperou por muitos meses e foi enlouquecendo de amor. Cantava, gargalhava, ria, chamava por João Antônio, que desapareceu. Tirano!...
Já me haviam contado a história, mas não creditava. Talvez não passasse de uma lenda!
Cheguei perto, entrei debaixo das águas e cantava uma marchinha carnavalesca, quando levei um beliscão nas costas. Seria um bicho? Olhei para os lados e para cima e nada vi. Parei de cantar e sentei numa pedra branca, então um enxame de abelhas caiu sobre mim. Que pavor! Picaram-me da cabeça aos pés. Saí gritando de dor. Fiquei totalmente inchada,
Ao alto, na nascente da queda dágua,apareceu-me a mais bela mulher, rosto indígena, corpo tatuado e com cara raivosa, que ordenou: Chispe daqui! Anda, depressa, porque a cachoeira das Almas é minha. O coronel João Antonio me deu! Fuja daqui, seu demônio, antes que recaia sobre si a minha maldição!
Encarei a índia e respondi corajosamente:
- Já se passaram muitos anos, Coaraci, e hoje a cachoeira não lhe pertence mais. É da coletividade que deseja refrescar seus corpos encalorados. Por favor, deixe-me tomar banho e a seguir irei embora!
- Não, mulher branca desaforada, você vai embora imediatamente. Não respondo pelo que possa lhe acontecer! Suma! Odeio essa gente branca que chegou aqui e tudo nos roubaram: terras, rios, cachoeiras e até nossos cemitérios sagrados! Chispe, mulher ousada!
Estagnada fiquei diante dela, sem saber se obedecia ou teimava em acabar de tomar meu banho. Olhava para ela, porque sua beleza era fascinante e até entontecia.
Talvez fosse mais educado obedecer. De repente apareceram gafanhotos que puseram as patas nas minhas costas. Que horror! Besouros chuviscavam sobre meu corpo. Quando as aranhas surgiram do nada, implorei para retirá-las dali, já pronta para sair às carreiras. Na verdade, todos os bichos sumiram e Coaraci gargalhou. Uma gargalhada zombeteira, estridente e que amedrontava.
Peguei minhas roupas e tampouco cheguei a vesti-las. Disparei como uma lebre, rumo à fazenda de Isabel. Chegue quase sem fôlego.
À noite, quem diz que o sono permitia-me dormir. Ao fechar os olhos, enxergava a bela índia e ouvia seus brados. Xispe daqui! Suma! Não é seu lugar! Os brancos roubaram nossa terras, rios, cachoeiras e até nossos cemitérios sagrados! Chispe, mulher ousada!
Manhã seguinte, na hora do cáfé com bolo, contei o contecido. A turma ficou boquiaberta. Joselito jurou que jamais voltaria àquela cachoeira. Outros afirmaram que iriam em grupo. Eu, francamente, perdi a tesão de me aproximar da cachoeira. Cruz credo!
Será que Coaraci abandonou as águas da sua cachoeira? Nem sei, mas até hoje não há quem vá à cachoeira Piquiri sozinha, aos bandos. Gente,os fantasmas existem? Sei lá! Mas eu vi e enfrentei a índia altiva e bela na defesa do seu território e a maldizer os brancos.
Penso: - Que cachorrada fez com ela o tal do coronel João Antônio! Patife!

País de bundas moles



Meus sobrinhos parecem ser fascinados por bundas. Ouvia um grupinho de seis rapazes a conversar e observei que todos gostavam de mulheres com bundas grandes e arrebitadas. Jorge exclamou: “Ela é bonita, mas é desbundada! Perdeu a graça!” Neto defendeu a namorada e justificou: “Que vou querer com bunda? Gosto dela porque tem personalidade forte, inteligente, culta, formada em dois cursos, Direito e Jornalismo. Sabe dialogar e não é boba como a sua, que sequer sabe o que é nazismo, como demonstrou naquele sábado em que estávamos no barzinho. He...he...he...
Todavia, Joyce Pasckoviski, colunista da Folha de S.Paulo, escreveu em seu blog: “Somos um país de bundas. Não sou a primeira a dizer isso, mas digo agora porque passei os feriados no Rio, fui à praia, coisa que adoro, e vi montes de bundas na minha frente. Umas poucas realmente bonitas, outras tantas feias, algumas horrorosas. Que mania foi essa que inventaram, bundas de fora dos biquínis, tipo fio-dental? É muito feio, feio de verdade. As mulheres cariocas são lindas em grande parte, mas o fio-dental realmente torna todas elas vulgares, muito vulgares. Por que lembrei disso agora? Porque tive momentos de alta inspiração no desfile que Pierre Cardin fez no shopping Iguatemi. Que sensação de… Pertinência. Que privilégio ver uma coisa que era realmente “moda”. Criação de verdade. A cada modelo que passava na passarela, eu pensava o quanto Pierre Cardin sempre foi original, genial, na verdade. Pensava também o quanto é raro a gente ter a chance de ver nas passarelas algo realmente autêntico, classudo. De respeito. Encontrei depois, ao final do desfile, duas amigas que… Choraram. Isso mesmo: choraram. Talvez ninguém soubesse muito explicar por que tanta emoção. Eu acho que até entendi… O fato é que coisas de verdade, autênticas, ainda mexem, sim, com as pessoas – mesmo nesses tempos loucos de internet e tal. E isso, temos de concordar, é muito bom!”
Mas voltando às bundas, não concordo com Joyce de que “somos um país de bundas”, pois o que conheço de desbundadas não está no gibi. Minha família mesmo é uma delas e até os homens ficam com a calça jeans fofa e vazia na bunda. Ninguém reclama, mas alguém me contou que sua filha deseja fazer uma plástica para por uma bela bunda com silicone. Que seja!
Pela primeira vez reparei que a Sônia, amiga da neta, era dona de uma notável bunda e abusava disso para usar fios dentais nos quais a exibiam à vontade. Olhava-se no espelho e sorria de satisfação.
Numa quinta-feira, como os professores fizessem greve, com duas amigas tomaram ônibus e foram para a Prainha. Ao chegar, perceberam que não tinha quase ninguém, só alguns homens, mas desclassificados na teoria delas. Na verdade, não eram membros da chamada elite.
Desconfiadas, mesmo assim foram tirando a roupa e esticaram-se na areia com seus fios-dentais. Uma passava óleo nas costas da outra, e comentavam sobre a seleção de Mano Menezes. Telma, mais entendida de futebol, fluminense, que não perdia nenhum jogo do seu time e da seleção brasileira, disse: “Se pudesse ou fosse da CBF,punha o Mano na rua e contrataria o Muricy. Não enxergam que ele não acerta nenhum jogo? Perdemos a “Copa das Américas” para a Alemanha e vamos fazer vergonha diante do time da Argentina.”Clarisse se meteu: “Ora! Porque não aguardar mais um pouco? Pode ser que o Brasil melhore e comece a ter algumas vitórias!” Sônia também deu seu palpite e opinou que faltava convocar o Ronaldinho Gaúcho, só assim a seleção ia dar um salto para vencer. Silenciaram e a pouco e pouco cochilavam. Além delas, só o quatro homens de bonés.
Não apareceu mais ninguém. O fato foi que um deles era tarado por bunda e abusado, aproveitou a deixa, aproximando-se das garotas. Teve o desplante de passar a mão enorme sobre a bunda de Sônia, a mais destacada. Ela deu um pulo e olhou raivosamente para a cara do sujeitinho pretensioso. Qual é? Pensa que sou da sua laia? Sai fora, seu vira-lata!
As três também se levantaram e estavam dispostas a defender a amiga. Assustadas, acalmaram-se ao perceber a presença de um policial no pedaço. Deu ordem de prisão para o safado. Ainda bem!
As moças enfiaram tudo nas mochilas e fizeram o caminho de volta. Dias depois, pelos jornais, souberam que aqueles homens eram traficantes e mantinham uma mulher presa num apartamento pequeno, no Morro do Alemão.
Agora, quando Sônia olha para sua bunda, tem até raiva, porque chama muita atenção.
Telma, a que mais lê e sabe das coisas, depois de ler o blog da colunista da Folha, disse: “Olha, nosso país é uma terra de ‘bundas”, porém diante de um povo que não luta pela Saúde, Educação, Segurança, Salários Dignos, Roubos, Tráfico de Drogas e outros, para mim não passa de um “País de Bundas Moles”

Rosa e a solidão




Rosa, natural de Nova Olinda, Amazonas, é uma senhora com o físico privilegiado. Suas roupas são manequim 40, apesar de ter duas filhas moças, formadas em Direito e Odontologia. Trabalham na Justiça e ganham bem. É uma família que se pode chamar de realizada e feliz.
Cedo, pedalando a bicicleta vermelha sai de Copacabana e alcança o fim do Leblon. Canta o tempo todo. É madrugadora e prefere sair do apartamento antes das 7h, Aspira toda umidade da noite e ao passar pelas árvores gosta de saudá-la: “Olá, boas amigas?” Vê a luminosidade do sol absoluta do sol, atrás das águas do Atlântico e repara nas belas pedras portuguesas desenhadas no calçadão. Geralmente se mostra bem disposta. .
Como lê bastante, pensava sobre os escritos do autor do livro “3ª Cristo”. Eram revelações que mexeram com ela. Pensava, pensava, pensava, pois fora criada na igreja Católica, se bem que não cria em tudo que aprendeu na infância. Por gostar de pensar, preferia pedalar sozinha. Só assim ninguém intrometeria nas idéias brotadas em sua cabeça, Era como se fosse uma cachoeira. Todos os pormenores da vida eram encaixados como num jogo de quebra-cabeça. Nem tudo ficava nos devidos espaços, e deixava para outro dia.
Não se sentia só. Acreditava que Deus habitava em sua alma. Contudo, como o marido fosse espírita, debatiam pensamentos, mas ninguém se afastava da sua crença. As moças de 21 e 18 anos eram budistas e habitualmente iam com outras amigas às reuniões realizadas em diversas casas. Repetiam mantras dentro de casa.
A pedalar devagar, pensativa, o olhar prendeu-se a uma barraca com pessoas pobres, que pareciam ser do Nordeste.
Primeiramente, não sabia a razão, pensou numa de suas amigas, mulher magra, olhos miúdos, de cabelos pintados, apesar de estar com 80 anos, que não perdia praia. Sua pele já estava ressecada de tanto sol, porém era seu grande prazer. Levava a cadeira, uma revista e aguçava os ouvidos para escutar as conversas ao redor. Ao voltar, contava uma ou outra, como a da nortista que revelou que seu marido morreu em cima dela. Teve um infarto fulminante. Gritava pelo nome da empregada, mas ela não vinha. Imagine só! Invadir a privacidade da patroa? Depois de tanto chamar, Dulce, que finalmente apareceu. Ajudou a tirar o gordo marido, já defunto, de cima dela. A seguir, deram-se os procedimentos normais até ser cremado, desejo expresso em documento,
A cabeça deu um giro e pensou na garota, talvez de 10 anos, idêntica a Flora, sua amiga de escola. Quanta coincidência! Ia de mãos dadas com a mãe, provavelmente. Que coisa, até o jeito de andar era igual!
Lembrou palavras do marido que a chamara de solitária. Discordou. Não vivia só e cercava-se da família. Não se sentia alguém separada de tudo e de todos. Nada lhe faltava. Talvez as crenças de cada um não fossem idênticas. Tinha a visão de um mundo de crescimento espiritual e ao morrer, seria como trocar de roupa e vestir uma nova.
Veio-lhe à cabeça Matilde, mora só e é independente. No entanto, é pessoa de paz. Já o Heraldo, lembrou a expressão que lhe dissera no barzinho da esquina da Miguel Lemos: “Mesmo cercado de parentes e amigos, sei lá, sinto-me só! Vim sozinho ao mundo e vou morrer sozinho! Na vida passamos por experiências, mas tudo é passageiro; situações, encontros, fatos. Fui casado, amei, vivemos juntos durante cinco anos e, súbito, senti viver com uma estranha. Dá para entender? Tudo vem e vai!”
Rosa voltava e distraída, retornou aos devaneios.
Lembrou do primeiro namorado – Sebastião – rapaz formado em Agronomia, dono de uma belíssima horta. Pode-se dizer que era arrogante, falava palavras difíceis, que os moradores da cidadezinha não entendiam. Para ele, em particular, era uma glória. Desistiu. Para que? Vivia a debochar do linguajar simples de seus pais, irmãos e dela mesmo. Um dia saltou de banda e não atendia seus telefonemas.
Nisto, quase atropelou uma garota, e alguém gritou: “Sua louca, vai matar a menina!” O brado deixou-lhe vermelha, envergonhada. Desculpou-se. A menina não teve nenhum arranhão. Foi só o susto.
Calmamente prosseguiu em seu passeio e já chegara a Copacabana quando lembrou as palavras de sua avó Leopoldina: “Seja sua melhor companheira, dê atenção às coisas certas e diga palavras sábias. Seu melhor amigo é você mesmo! E a solidão, Rosa, nunca existirá em sua vida!”
Atravessou a rua, cumprimentou alguns vizinhos do prédio onde morava e ao abrir a porta do apartamento, surpresa, reencontrou o irmão, Dimas, morador de Manaus, que veio visitá-la. Passou quinze dias com ela. Quanta felicidade!

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Deus he pague!


Chovia. Era uma chuvinha fina. O pior era o frio. Caminhava por rua deserta e sentia algo de estranho ou sensação desagradável. Quem sabe era medo ou solidão? Pisei firme no chão e fui em frente, enquanto o vento frio congelava-me o rosto e as mãos. Nos pés usava duas meias de lã tricotadas pelas abençoadas mãos da mana Dely. Que irmã mais prendada! Orgulho-me dela!
Estou em Florianópolis, por bondade e amizade sincera do meu sobrinho Eduardo, então me hospedo num confortável apartamento do bairro Jurerê. Há dois Jurerês, o Tradicional e o Internacional. Neste último residem pessoas mais poderosas e ricas. Nunca vi, mas comentam que a mãe do Ronaldinho Gaúcho mora aqui. Hoje os jogadores de futebol que jogam bem e ficam famosos, vão para o exterior e voltam com suas altas contas recheadas e bem cotadas nos bancos. Comenta-se que se vários deles não quisessem mais jogar, cruzariam as mãos ou viveriam a viajar pelo mundo. Deixa pra lá!
Quando visito novas cidades, caminho por muitas ruas, a apreciar a natureza e a arquitetura das belas casas. À vezes, penso nos pobres e causa-me revolta existir tantos ricos, com dinheiro quem sabe inescrupuloso, e dói-me a alma. Como nada posso fazer, continuo a caminhada, a refletir e às vezes sonho acordada.
É a realidade à nossa volta. O asfalto brilha. As calçadas de pedras largas são belas e limpas. Contudo, dentro de mim paira uma dúvida: não seria melhor andar descalça pelo chão de terra de algumas tribos que ainda não se extinguiram? Lucidamente, o lado indígena ainda fulgura forte em mim.
Ao virar uma esquina, as boas sensações sumiram e tive medo do que não saberia explicar. Sei lá! Ouvi passos de alguém me seguindo. Rapidamente pensei que trazia pouco mais de cinqüenta reais na carteira dentro do bolso do casaco. Sou velha e não atrairia nenhum tarado.
Diminui os passos e virei para trás. O estômago revirou. Tive medo e ao mesmo tempo enchi-me de coragem. Que bobagem! Era um pequeno cachorro que talvez quisesse calor humano. Ora! Peguei o cachorrinho no colo. Pobrezinho, estava muito encharcado e o recoloquei no chão. Uma senhora bem agasalhada e com enorme guarda-chuva veio atrás e chamou: “Mozinho, volte aqui! Mozinho! Mozinho!” Ele então correu para seus braços.
Senti alívio. A senhora gorda e morena sorriu-me e contou que Mozinho era um fujão, às vezes me deixa louca! Saiu às pressas, pois a chuva aumentou.
Neste momento o susto foi maior, Um homem coberto de andrajos aproximou-se de mim e pediu ajuda. “Morro de fome, senhora! Há dois dias não como! O povo daqui é endinheirado, mas para dar um prato de comida é só quando a Globo faz campanha!” Peguei todo o dinheiro que tinha e lhe dei. Ficou tão grato que se ajoelhou diante de mim e disse, choramingando: DEUS LHE PAGUE!
Dolorosamente, com a alma em frangalhos, voltei. Ao chegar, meu sobrinho comentou ser uma loucura sair com aquele frio, ainda mais sendo asmática.
Entrei no chuveiro quente, lavei a cabeça e o corpo, sequei-me com a toalha felpuda e os cabelos com o secador. Tomei sopa de ervilha. Depois me estiquei na cama e nem percebi o instante em que caí no sono.

Confesso que vivi



Mamãe era fora de série, fora do espaço e do tempo, mas sua sabedoria conquistava às camadas mais ecléticas. Há meses atrás conversava pelo telefone com o primo Júlio Paulo de Arruda Adrião, fiho de Deidei e Paulo, oportunidade em que me contou seu prazer de conversar com tia Iza. "Só ela mesma me faria ler aquele livro grosso sobre o Mahtma Gandhi. Valeu!" - destacou. Hoje, o nosso Juca é ator renomado e reconhecido por multidões do nosso Brasil. Leva a peça "Descoberta da América" a quase todos os Estados. É fenomenal! E simples como os lírios e doce como a garapa ou caldo de cana.
Junto a mamãe que teve dez e criou sete filhos, entre os mais desesperados como eu e o mano João Pedro, e o ator Júlio Paulo, pai de dois filhos amados, já que abraçou o jeito de paizão à filha de sua mulher, e ora veja, que beleza de pai!
Junto a idade avançada e sábia à juventude e o talento do jovem ator e reconheço que há pessoas talhadas para alcançar os píncaros da glória. São! Ninguém os esquecem!
Faço um inventário das preciosidades de pessoas talentosas, e noto que nada fiz.
Certa vez mamãe fez uma visita à mulher do porteiro José, do "Palacete de Ipanema", onde morava. Percebeu que o menino tinha as pernas arcadas, ou seja, seria cambaio como foi o grande jogador Garrincha. Aconselhou a jovem mãe a juntar as perninhas do filho, com uma fralda, à noite, nas horas de sono, pois seus ossos ainda estavam moles e o malefício seria corrigido. Ainda lhe prometeu um presente no caso de ao retornar da viagem a Curitiba, ver as pernas do garoto diireitinhas. Sorria, ao contar que a visitou novamente e pode ver o resultado. Deu-lhe um belo vestido.
Aos 84 anos, mamãe sentou-se na cadeira de balanço e, sem lágrima ou suspiros, ensinava-me o que deveria fazer se viesse a falecer em Cuiabá, na minha casa. Desconsertada, busquei contornos ao assunto, mas evidenciou que os filhos deveriam aprender a enterrar seus pais.
Mais isso não é tudo. Mamãe soube viver, lutar destemina e com fibra e quando nem tinha 20 anos, ao ouvir da sogra o conselho de que o melhor para seus filhos era ser usineiros, respondeu-lhe: "Não, dona Adelina, meus filhos vão estudar em Universidades e terão seus quadros de formatura na minha sala de visita." E sabiamente mandou um a um às faculdades de Veterinária, Agronomia, Direito, Artes Plásticas, Jornalismo e Diireito. Seu caçula é hoje o desembargador Hélio Mário de Arruda, professor de Direito Civil da Universidade Federal do Espírito Santo. Tem um blog com o bom de "Professor Helinho".
Vivo hoje em Florianópolis, ao lado das filhas Marcia e Mara. A primeira é professora de Yoga, vegetariana e espiiritualista. Mara é jornalista da Universidade Federal de Santa Catarina. São seis netos: Marcíola, André Roberto, Bruna, Letícia, Felipe e Marinara. Marinari, meu filho mais velho foi para planos mais elevados que na Terra. Gosto de olhar para os belos rostos de meus bisnetos Fabríccio, Cauã, Bernardo (de 1 mês) e Alice, esperada por Débora e André.
Inverno no Sul não é privilégio, porque venho do calor de 42 graus do Centro Oeste, mas vivo entre vidas de uma gente que sabe ser feliz e agradece a DEUS pela continuidade da vida. Como disse Pablo Neruda: "Confesso que vivi!"

A solidão de Janete






No passado, ou seja, aos 25 anos, conta Janete que Jorge a amava loucamente. Quando vinha jantar com ela sempre fazia questão de preparar os pratos e eram muito gostosos. Como ele não provou nenhum salmão recheado com nozes, repetia com freqüência. Nessas reminiscências, ao invés de sorrir pelo passado feliz, suspirava profundamente e às vezes escorriam algumas lágrimas dos olhos azuis. Seus pais nasceram na Áustria e a registraram com o nome da artista Janet Leight. Guardava muitas fotos da atriz e de vez em quando passava alguns minutos admirando-a. Queixava-se de não ser bela como foi ela. Lamentava-se disto ou daquilo, sem se recordar da felicidade que morou vários anos consigo.
Visitei Janete na Casa Geriátrica e levei-lhe um saco de jabuticabas. Naquela hora até me admirei, porque pegou as frutas como se fosse uma criança e colocou três na boca. Mordia feliz e disse-me que sempre foi uma de suas frutas preferidas. Só sobraram os caroços. Veio-lhe a lembrança dos morangos de Curitiba, que comia com nata e açúcar. Pediu-me que da próxima visita não se esquecesse de trazer-lhe morangos e chantilly. “Que desejo de saborear os quindins da Confeitaria das Familias!” – exaltou. E para completar falou: “A gente nunca tem tudo que merece!”
Um dia tentei dizer-lhe que devemos ser felizes com o que temos aqui e agora e não rebuscar encontros do passado, sabores distantes, sonhos desfeitos, e só dessa maneira haveríamos de ser verdadeiramente felizes. Entrou por um ouvido e saiu pelo outro, pois Janete, 86 anos, nada aprendera com a vida.
Penso no dia em que a levei a Cabo Frio. Tinha talvez 20 anos. Visitamos meus tios Antonio e Leda, uns amores de pessoas, que erguiam as mãos para os céus para agradecer mesmo um pão com manteiga. Curioso, titio recebeu um cartão de Natal bem singelo e Janete exclamou: “Poderiam enviar-lhe um cartão mais bonito!” Então, na sua simplicidade, titio explicou-lhe valorizar a lembrança que o amigo teve da sua pessoa; com bela letra preencheu o endereço; colou carinhosamente o envelope e finalmente chegou às suas mãos. “É muito pouco!” Titio replicou “Para mim foi de extrema delicadeza. Quanta felicidade me ofereceu o amigo Tiago, companheiro e amigo desde criança!”
Notável o estado de espírito de tio Antônio, que até me deixou paralisada.
Ontem fui ao enterro de Janete e notei sua expressão de abandono. Por mais que a conhecesse, sentia dificuldade de compreendê-la. Até os mortos levam as expressões de felicidade e outros de extrema solidão. Ela levou a expressão de abandono que a caracterizou por toda a vida.

Segredos do tempo



Conheci Lilian e Onofre, casal de meia idade, ela (35) e ele (46), no período em que passei umas férias em Foz de Iguaçu. Major Onofre fora transferido para aquela pequena cidade que faz fronteira com o Paraguay, onde deveria passar alguns anos. Não tinham filhos e moravam em casa oferecida pelo Exército, porém a mulher providenciou algumas reformas. Por exemplo, trocou o chão de porcelanato por tábuas corridas e rebaixou o teto. No inverno, ambos desejavam uma casa mais quentinha.
Numa sexta-feira que não era santa, ao sair do quarto e dirigir-se ao banheiro, Lilian ouviu uma espécie de lamento que vinha do ar. Por pouco não desmaia. Corajosa, porém, tomou banho e preparou-se para dormir. Comentou com o marido o acontecido, oportunidade em que também contou já ter ouvido aquele gemido. Dias após, jogavam uma partida de pif-paf e repentinamente foram crescendo os tristes ruídos.
Entreolharam-se. Ela deu alguns passos rumo à porta da rua. Quis fugir. Emudeceram-se. Onofre levantou-se e pegou seu revólver, mas a mulher indagou se ia atirar contra o vento. Olhou de novo, olhos nos olhos, para sua esposa, sem dizer uma única palavra. Emudeceram-se.
Ela abraçou o marido, como se pudesse evitar que cometesse um desatino. Que nada! Ambos estavam paralisados. Era um choro de mulher, fino e cortante, o qual congelaria qualquer pessoa. Incomum e triste, sobrenatural. Ressoou novamente e o casal percebeu que era uma forte lambada, seguida de triste gemido. Até as madeiras do chão estremeciam.
Abraçados começaram a chorar e nessa hora escutaram as grossas cordas subirem ao teto. Imóveis, repetiam o Pai Nosso, a Ave-Maria e pediram socorro a Deus.
Tudo passou, mas no dia seguinte, ao revelar o drama a um colega, este lhe contou que nenhum oficial que conhecesse o segredo daquela casa aceitaria morar ali. Foi, na época da escravidão, o terreiro de castigos cruéis, das surras que matavam os mais fracos, e ninguém até aquela data pode exterminar os ruídos das chibatadas e os gemidos que invadiam o ar, sempre em certas sextas-feiras.
De imediato, Onofre solicitou transferência de Foz de Iguaçu e foi lotado na cidade de Cáceres, Mato Grosso.
Antes de mudar, Lilian mandou o padre rezar e benzer a casa.
Há segredos infinitos dentro do tempo!

O CASARÃO ABANDONADO



Intrigava-me sempre passar por aquele casarão, com ar de nobreza. Tratava-se de construção do construtor grego, Nicola Levente, homem inteligente, criativo, nobre, que ao chegar da Grécia escolheu Cuiabá, Mato Grosso, para viver, apesar do sufocante calor. Ergueu inúmeras casas, porém aquela era diferente, cheia de rococós, sacadas redondas e pintada de rosa choque. Olhava-a e algo me passava pela cabeça. O que seria? Dona Aidinha revelou-me que nele morou há anos atrás uma família síria que por questão de receber uma herança retornou ao seu país. Nunca mais pisou em terra cuiabana. Curiosamente, ao passar por ali, a imaginação me levava a imaginar num navio fantasma à mercê das ondas do mar, naquele vai e vem.
Jamais lá, porém a analisava e tentava ver se alguém, um (a) morador (a) de rua buscasse abrigo em seu interior. Que nada! Nenhum sinal de vida surgiu para apaziguar meus pensamentos. Também não percebi nenhuma alma penada a debruçar-se sobre as sacadas.
Mas num sábado, ao voltar da escola, notei uma das janelas entreabertas e enquanto aguardava ver quem surgiria, alguns morcegos saíram voando e quase morri de medo. Tenho pavor desses bichos horrorosos!
Tudo passa e também esqueci o casarão vazio e abandonado.
Num dia qualquer, parei e vi estacionar em sua frente um carrão de marca nipônica. Desceu dele um homem que julguei ser árabe. Assemelhava-se muito ao Sr. Elias Haidamus, velho amigo, casado com dona Ivone, morador da rua 13 de junho, onde morei alguns anos. Era comerciante do ramo de tecidos. Impressionante como a nossa imaginação funciona, e pude rever seus filhos Elione, Marley, Ivany, Miguelito, Carlos, amigos de infância, a brincar de pegador, roda e até a brigar por causa de religião. Eram católicos e eu, presbiteriana.
Prestei atenção. Será que a família Haidamus voltou de S. Paulo, onde tem comércio no bairro Ipiranga, rua Bom Pastor? Por alguns minutos fiquei ali e até me disfarcei a brincar com um cachorro vira-lata, para não dar na vista. Esperei um desfecho. Um jovem de seus 21 anos, cabelos negros, feições árabes, de óculos escuros, entrou e após poucos minutos saiu, entrou no carro, deu partia e partiu a 120.
Talvez fosse neto do seu Elias, julguei. Podia ser até neto do Arafat, mas finalmente vi um ser humano entrar no casarão. Alegrei-me.
Meses depois, tristemente, vi a demolição da casa feita pelos operários e em seguida começaram que a construir um novo espigão de cimento armado. Finalmente, após quase um ano, vi o belo prédio de doze andares que tem o nome de Paraíso. Sinceramente, foi um dia sem nenhuma alegria para mim. Primeiro, porque Cuiabá é uma terra quentíssima e os prédios aprisionam o vento fresco e minha terra torna-se ainda mais abrasadora. Segundo, vi cair ao chão uma construção do querido Nicola Levente, sogro da minha grande e querida amiga, Maria Regina. Terceiro, desejava rever os Haidamus e alegrar-me com a volta da formidável família a Cuiabá. Como foi bela e trepidante a nossa infância!
Tudo não passou de mais um sonho!

O BRILHO QUE INCOMODA



Cris é uma amiga que conquistei ao fazer a intermediação do aluguel de um apartamento na Sá Ferreira para minha amiga Nilda. Estava apertada e me foi dado o primeiro mês de aluguel. O dinheiro a gente gasta e acaba, mas o grande prêmio ganho foi conhecer a formidável Cristina, com quem passei a trocar os mais belos e inteligentes e-mails. Depois passou a comunicar-se com a mana Dely, que tem grande admiração por ela.
Inicialmente, julguei que logo me deixaria de lado, mas já se passaram cerca de dez anos. Que bom!
Uma particularidade que apreciei na Cris foi o fato de trazer para perto dela seu irmão. Passaram a ser vizinhos. Quanto amor! Fiquei muito feliz!
Ao pensar nela logo me lembro do amigo Raul, de Brasília, mago, dono de um templo em Brasília, o qual me dizia sempre para não contar a todos as minhas vitórias, pois isso me faria retroagir. O olho grande é a maior macumba!
É segunda-feira, 22 de agosto, e recebo esta história da amiga Cris. É oportuna.

Conta a lenda que uma vez uma serpente começou a perseguir um Vagalume.
Este fugia rápido da feroz predadora, e a serpente não desistia.
Primeiro dia , ela o seguia.
Segundo dia , ela o seguia...
No terceiro dia, já sem forças, o Vagalume parou e falou à serpente :
- Não estou acostumada a dar este precedente a ninguém porém como vou te devorar, podes perguntar .Contestou a serpente !!
- Posso te fazer três perguntas?
- Pertenço a tua cadeia alimentícia? Perguntou o Vagalume.
• Não, respondeu a serpente.
• - Eu te fiz algum mal ? Diz o Vagalume.
- Não. Tornou a responder a serpente.
• Então por que queres acabar comigo?
- Porque não suporto ver-te brilhar!

Conclusões
Muitas vezes nos envolvemos em situações nas quais nos perguntamos:
Por que isso me acontece se não fiz nada de mal e nem causei dano a ninguém?
Certamente a resposta seria : Porque não suportam ver-te brilhar... !
Quando isso acontecer, não deixe diminuir seu brilho!
Continue sendo você mesmo! Segue a fazer o mesmo, mas não permita que te lastimes, nem que te retardem!
Segue brilhando e não poderão tocar-te... Porque tua luz continuará intacta.
Obrigada, Cris, porque no cotidiano da vida sentimos esta verdade.

Tereza e seus medos

Tereza e seus medos

Tereza tinha 13 anos e com dois irmãos, Delmiro e Ladislau (Lalau), veio do Paraná, cidade de Prudentópolis, dominada por ucranianos e poloneses, para o Rio de Janeiro. Os pais eram loiros, olhos azuis, e chamavam-se Delma e Bruno Miekovski. A família instalou-se na Pensão Oriental, Catete, próxima à Buarque de Macedo.
Tereza demonstrava um medo irracional e avassalador de tudo e de todos e sequer olhava para cima para ver o Cristo Redentor e o bondinho do Pão de Açúcar. Os olhos miravam o chão e reclamava que as calçadas estavam cheias de merda de cachorros. E dessa maneira mal podia aproveitar as belezas da cidade, pois vivia em pânico.
Seu pai, mecânico de bom currículo, fora contratado para trabalhar na Petrobrás e, ás 5 horas já estava debaixo do chuveiro. Após o café, desaparecia pelas ruas e avenidas. Dona Delma pensou em fazer algo que pudesse acrescer ao salário do marido. Sentada no sofá da sala da pensão rebuscou as idéias e achou uma solução. Em conversa com Cenira, gorda e vesga, dona da estalagem, indagou se precisava de uma cozinheira ou mesmo auxiliar. “Chegou numa boa hora, porque a cozinheira Eugênia mudou-se para Cabo Frio, e estou sem ninguém para me ajudar na cozinha. Aceita ganhar um salário mínimo? Se aprovada, no mês que vem aumentarei para um e meio, Está bom?” Coçou a cabeça, pois gostaria de receber, no mínimo, três salários, mas para começo de vida na cidade grande estava bom. No dia seguinte, começou.
Tereza, cheia de medos, não dava a menor atenção às garotas que queriam fazer amizade com ela. Muda como um Buda, apavorada por morar no Rio de Janeiro, fugia e abrigava-se em seu quarto. Encontrou, no entanto, um livro sobre o balcão e pediu à dona Cenira para ler, e esta consentiu com o menear da cabeça. Que bom! O livro era do argentino José Luiz Borges, que desde a introdução a deixou feliz e animada.
No pequeno quarto de pensão abriram-se as cortinas do desconhecido para a menina e a partir daquele momento, lia o que lhe caísse às mãos. De olhos abertos, sentiu grande amizade pelos escritores que lhe transmitiam sabedoria. Súbito pensou que também poderia escrever. Por que não? Pediu ao irmão que comprasse um caderno e uma caneta e, desde esse dia, quando ficava a sós, escrevia o que lhe vinha à memória. Descreveu a pequena cidade de Prudentópolis, PR, sua gente, a grande igreja de abóboda redonda, as manias que alguns tinham de comer dentes de alho e lembrou-se mesmo do gato, Chuá. Este não saía de seu colo e conversava com ela na linguagem dos animais. Ela compreendia. Avisou-lhe que iria embora dali a poucos meses, antes da decisão do pai. Alertou-a sobre os perigos das grandes cidades e pediu que tivesse cuidado.
Seus olhos azuis arregalavam-se e olhavam a penumbra. Tentava adivinhar os formatos das sombras, na hora em que se acendiam as luzes da cidade.
À noite, fazia vigília e apavorava-se com medo de que um homem ou mulher a raptasse, para trabalhar num circo. O gato Chuá bem que lhe avisou que o mundo iria acabar, pois eram excessivos os pecados dos homens: roubos, mentiras, subornos, desvio de verbas da merenda escolar e outros. Foi vencida pelo sono. Teve um pesadelo. Eram barulhos esquisitos como se fosse uma guerra. O avô vivera na Polônia, na II Guerra Mundial, e contava que comeu até o couro de sua sandália por falta de comida. Passou muitos dias de muito frio e fome. Chorava ao recordar-se daqueles apavorantes dias.
Naquela hora sentiu que o teto, o chão e a cama tremiam. Ó Deus, me guarde! – implorou.
Segurando-se pelas paredes chegou à sacada. Realmente só poderia ser o apocalipse. Viu um homem alto e de mãos enormes agredir outro, magrinho, que carregava umas caixas nas costas. Era um catador de caixas de papelão.
Ao amanhecer, correu no quarto dos pais e implorou que voltassem a Prudentópolis. Não concordaram, porque ambos já guardavam dinheiro para comprar uma casa em Maria da Graça. Chorou muito e voltou para seu quarto.
Um mês depois, tio Vitório chegou, morava nos Estados Unidos. Saiu com a sobrinha e ouviu sobres seus medos. Casado e sem filhos, pediu ao irmão para levar Tereza para o Texas, cidade em que se dera bem e morava com bastante conforto, junto a Júlia, sua mulher. Seus pais, após muitas reflexões e também considerar as atitudes estranhas da filha, consentiram.
Vinte anos depois, Tereza era afamada escritora, com obras traduzidas para diversos países. Nesse tempo todos os Miekovski também haviam se transferido com mala e cuia para o Texas, e era grande o progresso da família.

O brilho que incomoda

O brilho que incomoda

Cris é uma amiga que conquistei ao fazer a intermediação do aluguel de um apartamento na Sá Ferreira para minha amiga Nilda. Estava apertada e me foi dado o primeiro mês de aluguel. O dinheiro a gente gasta e acaba, mas o grande prêmio ganho foi conhecer a formidável Cristina, com quem passei a trocar os mais belos e inteligentes e-mails. Depois passou a comunicar-se com a mana Dely, que tem grande admiração por ela.
Inicialmente, julguei que logo me deixaria de lado, mas já se passaram cerca de dez anos. Que bom!
Uma particularidade que apreciei na Cris foi o fato de trazer para perto dela seu irmão. Passaram a ser vizinhos. Quanto amor! Fiquei muito feliz!
Ao pensar nela logo me lembro do amigo Raul, de Brasília, mago, dono de um templo em Brasília, o qual me dizia sempre para não contar a todos as minhas vitórias, pois isso me faria retroagir. O olho grande é a maior macumba!
É segunda-feira, 22 de agosto, e recebo esta história da amiga Cris. É oportuna.

Conta a lenda que uma vez uma serpente começou a perseguir um Vagalume.
Este fugia rápido da feroz predadora, e a serpente não desistia.
Primeiro dia , ela o seguia.
Segundo dia , ela o seguia...
No terceiro dia, já sem forças, o Vagalume parou e falou à serpente :
- Não estou acostumada a dar este precedente a ninguém porém como vou te devorar, podes perguntar .Contestou a serpente !!
- Posso te fazer três perguntas?
- Pertenço a tua cadeia alimentícia? Perguntou o Vagalume.
• Não, respondeu a serpente.
• - Eu te fiz algum mal ? Diz o Vagalume.
- Não. Tornou a responder a serpente.
• Então por que queres acabar comigo?
- Porque não suporto ver-te brilhar!

Conclusões
Muitas vezes nos envolvemos em situações nas quais nos perguntamos:
Por que isso me acontece se não fiz nada de mal e nem causei dano a ninguém?
Certamente a resposta seria : Porque não suportam ver-te brilhar... !
Quando isso acontecer, não deixe diminuir seu brilho!
Continue sendo você mesmo! Segue a fazer o mesmo, mas não permita que te lastimes, nem que te retardem!
Segue brilhando e não poderão tocar-te... Porque tua luz continuará intacta.
Obrigada, Cris, porque no cotidiano da vida sentimos esta verdade.

O copo de guaraná e o ranger da rede



Lélia Rita, filha de ricos fazendeiros, conta-me o acontecimento que a entristeceu e abalou muito, quando era menina de 8 anos.
“Papai, mamãe e meus irmãos cavalgávamos léguas e léguas até alcançar a fazenda de Bernardino, onde por perto havia uma casa abandonada, verdadeira tapera. Ao referir-se a ela, benzia-se três vezes.
Numa tarde, deitado na rede branca bordada de tucanos, a pouco e pouco me contou a história daquela casa, não só abandonada e evitada pelos moradores conhecedores de sua história.
Ali moravam compadre Pacheco e dona Idalina, briguentos como cão e gato. Se ele pedisse uma xícara de mate, lá vinha ela arrastando os chinelos com uma bandeja com café. A mulher era afogueada, faceira, vestia roupas coloridas, usava brincos, pulseiras, colares e anéis em três dedos, o que deixava o marido muito aborrecido. Nem...não... Eram totalmente desiguais e não foram feitos um para o outro. Os xingamentos de ambos ecoavam na mata e os lobos uivavam na madrugada.
Cedinho, na hora em que o sol surgia por cima do morro de Santo Antônio, o próprio seu Pacheco ralava o guaraná, pois dizia que guaranazinho bom é o ralado na hora. Após, punha o pó no copo de cristal, açúcar e água geladinha. Mexia bastante e depois bebia aos poucos e elevava a Nosso Senhor uma prece sem palavras. Olhava para o infinito e suspirava.
A mulher tinha bigode e nem o diabo pode, é de todos conhecido. Vez por outra escondia os paus de guaraná só pra ver o ouvir o banzé que o marido aprontava. No quarto, ria até ter dor de barriga.
Safo, sapecado de raiva, quase teve um infarto. “Aquela sirigaita ainda me paga! Não vou servir de capacho para essa adoidada, tarová mesmo! Tibi de ódio, saia espuma da boca, com vontade de enforcar aquela tirana.
Era sábado e o homem bebeu quase uma garrafa da branquinha. Sentada sozinha no degrau de entrada da casa, ao ver Pacheco chegar aos tropeções, gargalhava e dizia-lhe: “Seu porco! Seu lugar é na pocilga! Nojento! Suma daqui!”
Quando julgou que o marido ia voltar para a Venda do Antero, ele finalmente deu vazão ao ódio acumulado há mais de 20 anos. O fardo pesado seria jogado por terra. Naquele momento, só de camiseta e calça jeans, avançou no pescoço de Idalina. Com as duas mãos apertou, apertou, apertou até ver sua língua de fora. Estava morta. Então passou a chorar como uma criança e correu até o galpão onde guardava o revólver 44, apertou contra o coração e caiu. Morreu!
O cachorro Zelão lambia o sangue que alagava e embebia a terra.
Foi há mais de 70 anos e as gerações de hoje esqueceram esse drama ocorrido nos anos 20. Naquela época os moradores comentavam bastante esse drama, verdadeira loucura, mas depois foram esquecendo.
Contudo, mesmo com o tropé esquecido, o boiadeiro Maneco ao ver a casa abandonada, depois de longa cavalgada, cansado e suado, desceu do cavalo e pensou em dormir ali. O quá! Mal pegou no sono, ouviu barulho de alguém a mexer no copo de guaraná. E ah! Julgou ter outro tropeiro ali. Não viu ninguém. Deitou-se novamente. O ranger de uma rede bateu em seus ouvidos. Que gritaria! Seu cavalo relinchava desesperado. A boiada estourou... Variado, disse vote! Montou a cavalo e chispou dali. Que lugar doido!
Um zagaieiro, morador das redondezas, ao escutar seu relato da noite passada na tapera do Pacheco, exclamou: “Viche, homem de Deus! Ocê é muito home! Ninguém consegue ter sossego naquela tapera. Por essa luz que me lomea, o povo rufa de medo ao passar defronte dali. Chispe!”
E, sob a luz do candieiro, contou a triste história de Pacheco e Idalina, que deixou Maneco de cabelos arrepiados.