terça-feira, 23 de agosto de 2011

Rosa e a solidão




Rosa, natural de Nova Olinda, Amazonas, é uma senhora com o físico privilegiado. Suas roupas são manequim 40, apesar de ter duas filhas moças, formadas em Direito e Odontologia. Trabalham na Justiça e ganham bem. É uma família que se pode chamar de realizada e feliz.
Cedo, pedalando a bicicleta vermelha sai de Copacabana e alcança o fim do Leblon. Canta o tempo todo. É madrugadora e prefere sair do apartamento antes das 7h, Aspira toda umidade da noite e ao passar pelas árvores gosta de saudá-la: “Olá, boas amigas?” Vê a luminosidade do sol absoluta do sol, atrás das águas do Atlântico e repara nas belas pedras portuguesas desenhadas no calçadão. Geralmente se mostra bem disposta. .
Como lê bastante, pensava sobre os escritos do autor do livro “3ª Cristo”. Eram revelações que mexeram com ela. Pensava, pensava, pensava, pois fora criada na igreja Católica, se bem que não cria em tudo que aprendeu na infância. Por gostar de pensar, preferia pedalar sozinha. Só assim ninguém intrometeria nas idéias brotadas em sua cabeça, Era como se fosse uma cachoeira. Todos os pormenores da vida eram encaixados como num jogo de quebra-cabeça. Nem tudo ficava nos devidos espaços, e deixava para outro dia.
Não se sentia só. Acreditava que Deus habitava em sua alma. Contudo, como o marido fosse espírita, debatiam pensamentos, mas ninguém se afastava da sua crença. As moças de 21 e 18 anos eram budistas e habitualmente iam com outras amigas às reuniões realizadas em diversas casas. Repetiam mantras dentro de casa.
A pedalar devagar, pensativa, o olhar prendeu-se a uma barraca com pessoas pobres, que pareciam ser do Nordeste.
Primeiramente, não sabia a razão, pensou numa de suas amigas, mulher magra, olhos miúdos, de cabelos pintados, apesar de estar com 80 anos, que não perdia praia. Sua pele já estava ressecada de tanto sol, porém era seu grande prazer. Levava a cadeira, uma revista e aguçava os ouvidos para escutar as conversas ao redor. Ao voltar, contava uma ou outra, como a da nortista que revelou que seu marido morreu em cima dela. Teve um infarto fulminante. Gritava pelo nome da empregada, mas ela não vinha. Imagine só! Invadir a privacidade da patroa? Depois de tanto chamar, Dulce, que finalmente apareceu. Ajudou a tirar o gordo marido, já defunto, de cima dela. A seguir, deram-se os procedimentos normais até ser cremado, desejo expresso em documento,
A cabeça deu um giro e pensou na garota, talvez de 10 anos, idêntica a Flora, sua amiga de escola. Quanta coincidência! Ia de mãos dadas com a mãe, provavelmente. Que coisa, até o jeito de andar era igual!
Lembrou palavras do marido que a chamara de solitária. Discordou. Não vivia só e cercava-se da família. Não se sentia alguém separada de tudo e de todos. Nada lhe faltava. Talvez as crenças de cada um não fossem idênticas. Tinha a visão de um mundo de crescimento espiritual e ao morrer, seria como trocar de roupa e vestir uma nova.
Veio-lhe à cabeça Matilde, mora só e é independente. No entanto, é pessoa de paz. Já o Heraldo, lembrou a expressão que lhe dissera no barzinho da esquina da Miguel Lemos: “Mesmo cercado de parentes e amigos, sei lá, sinto-me só! Vim sozinho ao mundo e vou morrer sozinho! Na vida passamos por experiências, mas tudo é passageiro; situações, encontros, fatos. Fui casado, amei, vivemos juntos durante cinco anos e, súbito, senti viver com uma estranha. Dá para entender? Tudo vem e vai!”
Rosa voltava e distraída, retornou aos devaneios.
Lembrou do primeiro namorado – Sebastião – rapaz formado em Agronomia, dono de uma belíssima horta. Pode-se dizer que era arrogante, falava palavras difíceis, que os moradores da cidadezinha não entendiam. Para ele, em particular, era uma glória. Desistiu. Para que? Vivia a debochar do linguajar simples de seus pais, irmãos e dela mesmo. Um dia saltou de banda e não atendia seus telefonemas.
Nisto, quase atropelou uma garota, e alguém gritou: “Sua louca, vai matar a menina!” O brado deixou-lhe vermelha, envergonhada. Desculpou-se. A menina não teve nenhum arranhão. Foi só o susto.
Calmamente prosseguiu em seu passeio e já chegara a Copacabana quando lembrou as palavras de sua avó Leopoldina: “Seja sua melhor companheira, dê atenção às coisas certas e diga palavras sábias. Seu melhor amigo é você mesmo! E a solidão, Rosa, nunca existirá em sua vida!”
Atravessou a rua, cumprimentou alguns vizinhos do prédio onde morava e ao abrir a porta do apartamento, surpresa, reencontrou o irmão, Dimas, morador de Manaus, que veio visitá-la. Passou quinze dias com ela. Quanta felicidade!

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