segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Deus he pague!


Chovia. Era uma chuvinha fina. O pior era o frio. Caminhava por rua deserta e sentia algo de estranho ou sensação desagradável. Quem sabe era medo ou solidão? Pisei firme no chão e fui em frente, enquanto o vento frio congelava-me o rosto e as mãos. Nos pés usava duas meias de lã tricotadas pelas abençoadas mãos da mana Dely. Que irmã mais prendada! Orgulho-me dela!
Estou em Florianópolis, por bondade e amizade sincera do meu sobrinho Eduardo, então me hospedo num confortável apartamento do bairro Jurerê. Há dois Jurerês, o Tradicional e o Internacional. Neste último residem pessoas mais poderosas e ricas. Nunca vi, mas comentam que a mãe do Ronaldinho Gaúcho mora aqui. Hoje os jogadores de futebol que jogam bem e ficam famosos, vão para o exterior e voltam com suas altas contas recheadas e bem cotadas nos bancos. Comenta-se que se vários deles não quisessem mais jogar, cruzariam as mãos ou viveriam a viajar pelo mundo. Deixa pra lá!
Quando visito novas cidades, caminho por muitas ruas, a apreciar a natureza e a arquitetura das belas casas. À vezes, penso nos pobres e causa-me revolta existir tantos ricos, com dinheiro quem sabe inescrupuloso, e dói-me a alma. Como nada posso fazer, continuo a caminhada, a refletir e às vezes sonho acordada.
É a realidade à nossa volta. O asfalto brilha. As calçadas de pedras largas são belas e limpas. Contudo, dentro de mim paira uma dúvida: não seria melhor andar descalça pelo chão de terra de algumas tribos que ainda não se extinguiram? Lucidamente, o lado indígena ainda fulgura forte em mim.
Ao virar uma esquina, as boas sensações sumiram e tive medo do que não saberia explicar. Sei lá! Ouvi passos de alguém me seguindo. Rapidamente pensei que trazia pouco mais de cinqüenta reais na carteira dentro do bolso do casaco. Sou velha e não atrairia nenhum tarado.
Diminui os passos e virei para trás. O estômago revirou. Tive medo e ao mesmo tempo enchi-me de coragem. Que bobagem! Era um pequeno cachorro que talvez quisesse calor humano. Ora! Peguei o cachorrinho no colo. Pobrezinho, estava muito encharcado e o recoloquei no chão. Uma senhora bem agasalhada e com enorme guarda-chuva veio atrás e chamou: “Mozinho, volte aqui! Mozinho! Mozinho!” Ele então correu para seus braços.
Senti alívio. A senhora gorda e morena sorriu-me e contou que Mozinho era um fujão, às vezes me deixa louca! Saiu às pressas, pois a chuva aumentou.
Neste momento o susto foi maior, Um homem coberto de andrajos aproximou-se de mim e pediu ajuda. “Morro de fome, senhora! Há dois dias não como! O povo daqui é endinheirado, mas para dar um prato de comida é só quando a Globo faz campanha!” Peguei todo o dinheiro que tinha e lhe dei. Ficou tão grato que se ajoelhou diante de mim e disse, choramingando: DEUS LHE PAGUE!
Dolorosamente, com a alma em frangalhos, voltei. Ao chegar, meu sobrinho comentou ser uma loucura sair com aquele frio, ainda mais sendo asmática.
Entrei no chuveiro quente, lavei a cabeça e o corpo, sequei-me com a toalha felpuda e os cabelos com o secador. Tomei sopa de ervilha. Depois me estiquei na cama e nem percebi o instante em que caí no sono.

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