terça-feira, 23 de agosto de 2011

Mistério da cachoeira

Verdadeiramente ninguém tinha coragem de ir a Cachoeira de S.José do Piquiri a sós. Juntava-se um grupo e ia gozar as delícias daquelas águas frias numa terra de calor imenso. Como era sexta-feira santa todos quiseram dormir até mais tarde, então fui andando, observando as belíssimas orquídeas, ouvindo o chilrear dos pássaros e até o cascalhar das serpentes. Não as vi, graças a Deus!
Seguia em frente, folgando-me com as belezas das matas.
De longe avistei a bela cachoeira e aos poucos retirei as roupas, pois já viera de maiô por baixo. Cheguei e várias corujas voaram, distanciando dali.
Apavorava as pessoas a história que corria trechos, talvez de 1900, quando uma bela índia de nome Coaraci namorava João Antonio, dono da fazenda e marido de Luacy. Amantes apaixonados, tudo acabou quando Luacy, mulher de João Antônio descobriu tudo. Deu um quebra-quebra no casarão e muitos cristais espatifaram-se. O safado tampouco voltou ali, na cabana onde se amavam, para lhe dizer adeus. Fugiu simplesmente. Coaraci esperou por muitos meses e foi enlouquecendo de amor. Cantava, gargalhava, ria, chamava por João Antônio, que desapareceu. Tirano!...
Já me haviam contado a história, mas não creditava. Talvez não passasse de uma lenda!
Cheguei perto, entrei debaixo das águas e cantava uma marchinha carnavalesca, quando levei um beliscão nas costas. Seria um bicho? Olhei para os lados e para cima e nada vi. Parei de cantar e sentei numa pedra branca, então um enxame de abelhas caiu sobre mim. Que pavor! Picaram-me da cabeça aos pés. Saí gritando de dor. Fiquei totalmente inchada,
Ao alto, na nascente da queda dágua,apareceu-me a mais bela mulher, rosto indígena, corpo tatuado e com cara raivosa, que ordenou: Chispe daqui! Anda, depressa, porque a cachoeira das Almas é minha. O coronel João Antonio me deu! Fuja daqui, seu demônio, antes que recaia sobre si a minha maldição!
Encarei a índia e respondi corajosamente:
- Já se passaram muitos anos, Coaraci, e hoje a cachoeira não lhe pertence mais. É da coletividade que deseja refrescar seus corpos encalorados. Por favor, deixe-me tomar banho e a seguir irei embora!
- Não, mulher branca desaforada, você vai embora imediatamente. Não respondo pelo que possa lhe acontecer! Suma! Odeio essa gente branca que chegou aqui e tudo nos roubaram: terras, rios, cachoeiras e até nossos cemitérios sagrados! Chispe, mulher ousada!
Estagnada fiquei diante dela, sem saber se obedecia ou teimava em acabar de tomar meu banho. Olhava para ela, porque sua beleza era fascinante e até entontecia.
Talvez fosse mais educado obedecer. De repente apareceram gafanhotos que puseram as patas nas minhas costas. Que horror! Besouros chuviscavam sobre meu corpo. Quando as aranhas surgiram do nada, implorei para retirá-las dali, já pronta para sair às carreiras. Na verdade, todos os bichos sumiram e Coaraci gargalhou. Uma gargalhada zombeteira, estridente e que amedrontava.
Peguei minhas roupas e tampouco cheguei a vesti-las. Disparei como uma lebre, rumo à fazenda de Isabel. Chegue quase sem fôlego.
À noite, quem diz que o sono permitia-me dormir. Ao fechar os olhos, enxergava a bela índia e ouvia seus brados. Xispe daqui! Suma! Não é seu lugar! Os brancos roubaram nossa terras, rios, cachoeiras e até nossos cemitérios sagrados! Chispe, mulher ousada!
Manhã seguinte, na hora do cáfé com bolo, contei o contecido. A turma ficou boquiaberta. Joselito jurou que jamais voltaria àquela cachoeira. Outros afirmaram que iriam em grupo. Eu, francamente, perdi a tesão de me aproximar da cachoeira. Cruz credo!
Será que Coaraci abandonou as águas da sua cachoeira? Nem sei, mas até hoje não há quem vá à cachoeira Piquiri sozinha, aos bandos. Gente,os fantasmas existem? Sei lá! Mas eu vi e enfrentei a índia altiva e bela na defesa do seu território e a maldizer os brancos.
Penso: - Que cachorrada fez com ela o tal do coronel João Antônio! Patife!

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