segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A solidão de Janete






No passado, ou seja, aos 25 anos, conta Janete que Jorge a amava loucamente. Quando vinha jantar com ela sempre fazia questão de preparar os pratos e eram muito gostosos. Como ele não provou nenhum salmão recheado com nozes, repetia com freqüência. Nessas reminiscências, ao invés de sorrir pelo passado feliz, suspirava profundamente e às vezes escorriam algumas lágrimas dos olhos azuis. Seus pais nasceram na Áustria e a registraram com o nome da artista Janet Leight. Guardava muitas fotos da atriz e de vez em quando passava alguns minutos admirando-a. Queixava-se de não ser bela como foi ela. Lamentava-se disto ou daquilo, sem se recordar da felicidade que morou vários anos consigo.
Visitei Janete na Casa Geriátrica e levei-lhe um saco de jabuticabas. Naquela hora até me admirei, porque pegou as frutas como se fosse uma criança e colocou três na boca. Mordia feliz e disse-me que sempre foi uma de suas frutas preferidas. Só sobraram os caroços. Veio-lhe a lembrança dos morangos de Curitiba, que comia com nata e açúcar. Pediu-me que da próxima visita não se esquecesse de trazer-lhe morangos e chantilly. “Que desejo de saborear os quindins da Confeitaria das Familias!” – exaltou. E para completar falou: “A gente nunca tem tudo que merece!”
Um dia tentei dizer-lhe que devemos ser felizes com o que temos aqui e agora e não rebuscar encontros do passado, sabores distantes, sonhos desfeitos, e só dessa maneira haveríamos de ser verdadeiramente felizes. Entrou por um ouvido e saiu pelo outro, pois Janete, 86 anos, nada aprendera com a vida.
Penso no dia em que a levei a Cabo Frio. Tinha talvez 20 anos. Visitamos meus tios Antonio e Leda, uns amores de pessoas, que erguiam as mãos para os céus para agradecer mesmo um pão com manteiga. Curioso, titio recebeu um cartão de Natal bem singelo e Janete exclamou: “Poderiam enviar-lhe um cartão mais bonito!” Então, na sua simplicidade, titio explicou-lhe valorizar a lembrança que o amigo teve da sua pessoa; com bela letra preencheu o endereço; colou carinhosamente o envelope e finalmente chegou às suas mãos. “É muito pouco!” Titio replicou “Para mim foi de extrema delicadeza. Quanta felicidade me ofereceu o amigo Tiago, companheiro e amigo desde criança!”
Notável o estado de espírito de tio Antônio, que até me deixou paralisada.
Ontem fui ao enterro de Janete e notei sua expressão de abandono. Por mais que a conhecesse, sentia dificuldade de compreendê-la. Até os mortos levam as expressões de felicidade e outros de extrema solidão. Ela levou a expressão de abandono que a caracterizou por toda a vida.

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